quarta-feira, 17 de junho de 2015

Cabaret XVI

(des) Inteligência emocional 

Em tempos de amores tão frágeis quanto a água, que se perdem no passar das horas, verdadeiros amores líquidos, as cartas chegavam. Uma, duas, três, várias. Todas lidas. Sem remetente, não poderiam ser respondidas. 

Eu, ainda jovem, estava perdida naqueles corredores que compõem o imenso Cabaret. Lia aquelas cartas sem entender o que realmente elas queriam dizer. A única certeza que tinha era o mistério explícito naquelas letras. Teria eu a sorte de encontrar aquele que dispensava horas para escrevê-las? 

Certo dia, uma ligação me surpreendeu. Tomei um susto! Impossível ter outra reação! Ouvi do outro lado da linha uma voz. Fiquei com medo. A voz dizia que acompanhava meus passos, ao saber, inclusive, quando eu saía e chegava. Dizia que ficava horas a pensar em mim. Aquilo foi assustador! Senti-me vigiada.
Os dias passaram. Era dia dos namorados quando bateram na minha porta. Um entregador. No braço, ele tinha um buquê; nele tinha um cartão com dizeres encantadores. Sem reação, pedi que jogassem fora aquelas flores mortas num lindo arranjo escolhido pra mim. Jovem, sem saber lidar com o romantismo de quem me observava, eu estava ali: estática sem, ao menos, saber quem era. 

O mistério cercava meus dias. Enquanto isso, no Cabaret, as mulheres achavam bonito e interessante tudo aquilo que acontecia. Até que numa bela noite o mistério acabou. Eu estava sentada numa praça aguardando a condução que me levaria a outro ponto da cidade, quando um homem sentou-se ao meu lado. As mãos dele estavam inquietas. Não liguei praquilo. Foi, então, que da boca dele soou meu nome. Ali tive contato e a certeza de que aquele homem de voz trêmula era quem me admirava secretamente. Deixei ele ir embora.

As cartas, hoje, estão guardadas e todas as vezes que as leio, elas me fazem reviver e acreditar que o amor vai além do desejo da carne. Quem sabe nossos caminhos se cruzem de novo, mas desta vez maduros, vividos e dispostos a pôr em prática tudo aquilo que ele desejava em cada linha escrita pra mim? 



Pra ele, se tivesse a oportunidade, hoje, diria: vem, vamos viver!

Texto - uma de minhas mulheres